quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

Os manequins preferem a noite

Escrevi esse texto para a cadeira Produção do Texto Dramático do curso de Licenciatura em Teatro do IFCE, onde, atualmente, curso o 4º semestre.
Minhas tentativas de autora de texto teatral ainda são fracas, mas... um dia chego lá! :)


Os manequins preferem a noite
Por Iole Godinho


Personagens:
Cantador
Eugênio Leandro
Romanza
Percival
Pequena
Mulher
Homem
Mendigo
Manequins (em torno de 05)

Cancioneiro

Entra pelo fundo da platéia o Cantador.

CANTADOR
-- Essa é a história de Eugênio
Que também era Leandro
Nasceu em Fortaleza
Mas foi criado em outro canto
Em Limoeiro do Norte
Terra de intelectuais
Trabalhou em teatro
Bailes, rádios e jornais
Aprendeu tocar viola,
Desenho, entalhe e escultura
Foi reisado, circo mambembe
E se entregou à essa cultura
Ao voltar pra capital
Já letrado e experiente
Começou a escrever contos
Contando as histórias de toda gente
Disse em rodas de conversas
Que viveu tudo o que contou
Que eram histórias de verdade
Não um sonho que sonhou
E é esse letrista ilustre
Que com vocês eu deixo aqui
Com sua noite dos manequins
Que vocês irão ouvir
Pois agora eu vou-me embora
E não me ponho a repetir

Sai do palco.

Romanza

Entra no palco Eugênio, com um caderno e um lápis na mão. Ele se encosta à esquerda do palco e começa a escrever.
Barulho de vento e árvore. Entra no palco uma garotinha (Romanza) que se senta na beirada e fica olhando pro horizonte. Ao fundo pessoas vestindo um macacão bege (os manequins), exatamente iguais, passam. Elas se arrastam, se embolam, como se fossem poeiras a passar pela estrada, num ritmo lento Aparece Percival, se aproxima da menina. Os manequins paralisam.

EUGÊNIO LEANDRO
-- Um ritual que se concretiza como uma semana que passa como um queijo de coalho, podendo-se retalhar a quentura a facão. O calor é apalpado como um cão felpudo que dorminha debaixo de uma árvore ao meio dia. Tem ele uma quentura latejante que pulsa nos pés de cerca e serra. Romanza.

A garotinha e Percival se olham e se levantam. Ela o puxa pelos braços e sai bailando e rindo pelo palco. Ele vai atrás maravilhado. Saem de cena. Os manequins congelados ao fundo voltam a se arrastar, se embolar, até saírem de cena.
Eugênio Leandro sorri. Volta a escrever.

Pequena

A segunda garota entra ao palco (Pequena). Barulho de risadas, buzinas. Entram os manequins, mas agora transfigurados de prostitutas, drogados. Eles passam por Pequena, interagindo com ela. Entram uma mulher e um homem. Cada um de um lado do palco. Os manequins continuam passando ao fundo. A mulher e o homem se seduzem até envolverem pequena na sedução. Começa uma luta de sedução. Hora a mulher, hora Pequena seduz o homem.

EUGÊNIO LEANDRO
-- Um calor tépido numa atmosfera ovóide onde uma ameaça de explosão só produz sensualidade. Um corpo pequeno abatido como uma perdiz perdida em selva de pedra. Duas gerações que caminham juntas por um único túnel de luzes piscantes. Dois corpos, um corpo.

O homem, a mulher e Pequena voltam a dançar juntos. Os três saem do palco dando risada. Os manequins continuam passando, como prostitutas e drogados, até congelarem.
Eugênio continua a escrever.

A noite dos mendigos

Entra em cena um mendigo. Ele se arrasta pelo palco rindo, como um louco. Ele passa pelos manequins e começa a manipulá-los. Faz novas posições, ri.

MENDIGO
-- Vamos, vida! Essa vida que ainda lateja na crosta na crosta invertida que reveste o centro de Fortaleza.  Entre profundezas de uma cidade luz, qual luz que faria paris tornar-se meticuloso bibelô em estantes de barões. Luz que no gueto escuro torna-se vela a apagar, sem oxigênio a queimar. Loucos! Loucos! Eu, eles! Em insones caminhos! Quem é você quando tudo que faz é ser a vida de outro? Uma vida escrita, brincada, recontada, como em conto de cordel em bolso de criança. Torna-se lenda, torna-se manequim. Plasticidade endurecida, falsa crença de liberdade. Acha-se pássaro, quando irrealmente é origami. Nascemos lá, no cume dos pelos de um coelho, e vamos afundando, afundando até nos acomodarmos na sua pelagem, acreditando nesses ideais de felicidade, família, religião, estado. Quando seremos Sofia? Se já não somos! Seríamos personagem de conto, romance. Quando olharemos para o Grande Irmão e nos rebelaremos? Quando deixaremos de ser manequins? Quando?

O mendigo dá risada e se dirige à Eugênio Leandro. O puxa e começa a bailar com ele pelo ambiente. Entram os demais personagens: Cantador, Romanza, Percival, Pequena, Homem, Mulher. Todos dançam. Mendigo passa  por eles e à medida que vai encostando neles eles paralisam. Para então com Eugênio Leandro ele ao centro do palco e começa a moldá-lo até transformá-lo num manequim. Olha para tudo, pega o pandeiro do Cantador e sai dando cantando:

MENDIGO
-- Essa é a história de Eugênio
Que também era Leandro
Contava histórias, reinava vidas
Mas num dia como encanto
Percebeu que nada era
Manequim de nova era
Preso num eterno engano

Fim.

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